quarta-feira, 16 de março de 2011

A Sombra (excerto do capítulo 21)

Não estava mais ali! A enigmática passagem para a fonte medieval tinha desaparecido! Talvez nunca tenha existido, mas assim como teria eu lá entrado uma segunda vez quando dei a minha imortalidade à Estrela? Estava farta! Farta daqueles 243 anos de vida perturbados! Farta daquela minha imensa sombra! Eu nunca existi! Eu certamente não devia chamar-me Rita Mendes! Aquela rapariga de 15 anos que tentou-se suicidar em 1775 nunca existira! Eu era uma farsa! Quem era eu quando bebi da fonte? Quem sou eu?

Quem sou eu?
Que entrega a vida à ilusão?
Quem sou eu?
Que nunca controlou o coração?
Quem eu sou?
Agora que a minha mente está fechada
Pois nunca existi!
Quem sou eu?
Quem é o meu reflexo para mim?
Quem sou eu?
Que pensou que poderia morrer?
Sem mais viver...
Sem mais sombras?
Quem sou eu?
Respondo:
Sou uma Sombra
Que não pertence a ninguém...

Corri para longe da montanha. Para longe das ruínas do Convento, esquecido na vegetação. Longe da casa velha de Isaura. Corri para longe da praia onde Eduardo me salvara da minha espécie de suicídio... Era isso! O suicídio! A Morte era a solução! Se eu não era mais imortal podia morrer!
Corri e corri, sem destino certo. Passei pela minha velha casa, pela casa de Rebeca e de Mariana, pela casa de Cecília, pela casa nova de João, pelo hotel Mendes. Eu estava farta daquele mundo organizado e melancólico, o mundo que eu pedi! Ao chegar à praça, olhei para o velho relógio. Marcavam-se as cinco horas! Cinco horas! Para onde poderia eu ir naquela maldita hora que me atormentou? A praia abandonada! A falésia!
Corri para lá sendo observada pela sociedade. Maldita sociedade! Passei pela igreja, onde perdi a minha vida e a vida de outros! Onde me casei e deixei morrer! Afastei aquele mundo e corri! Dei por mim já na praia, onde Estrela estava a um canto afastado a apanhar conchas. Corri até à falésia, era o fim! Estava pronta para o final! Pois por fim chegava o fim. Caminhei e vi à minha frente o sol, depois do sol vi por fim a mão de Deus. Adeus vida! Dei um passo em frente, para o ar, presa ainda à vida pelo meu medo de atirar-me completamente.
- Não faça isso Rita! -Gritava Estrela atrás de mim.
- Eu não aguento mais Estrela! Eu perdi o controlo! Já não sei mais quem sou! - Solucei. - Eu quero morrer! É só o que peço! Quero ir para sempre sem ter remorsos! Quero descansar numa ilha solitária convivendo só com a Morte...
- Rita... só eu apenas sei o que você é! E se tem dúvidas no que você é então venha comigo! Eu mostro-lhe...
- Eu não vou a lado nenhum... Ai! - A terra cedeu e caí... Julguei por fim morrer mas soube, quando acordei, passadas semanas no hospital, que tinha só desmaiado. Nunca tinha caído para o mar de espinhos da vida, tinha sido empurrada mais uma vez por Deus a assumir o meu próprio destino. Fui acompanhada por psicólogos e nem com eles consegui saber quem eu era, porque eu, embora contrariassem, continuava a ser a aberração, o cúmulo da longevidade, a vida ou a Morte. Aquela minha fonte de imortalidade deveria ter secado para sempre ou fora tudo ilusão minha? Na verdade só após aqueles séculos todos é que notei que a minha vida era longa e que a vivi num mundo de ilusões...

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